“A humanidade só tem de conhecer, antes de mais nada, as leis que residem na Criação. Se viver de acordo com elas,terá de se tornar feliz! Hoje, porém, ela ainda se acha muito distante disso e, por essa razão, aqueles que se aproximam da Verdade na Criação sentir-se-ão, por enquanto, solitários na maior parte das vezes, o que porém de modo algum infelicita, mas sim traz em si uma grande paz.”
Abdruschin, Na Luz da Verdade – Mensagem do Graal
Quando uma força devasta o que havia sobre a terra e abala as certezas, o silêncio pulsa poderoso. Observamos um tanto desolados o solo nu de plantas e flores e a terra carente de nutrientes. Procuramos sementes, algumas podem ter sobrevivido. A cada passo, adentramos um tanto mais os interiores das terras vazias e silenciosas e parece que a mudez de fora dá espaço à voz de dentro, que passa a ditar a cadência da busca. Aqui e ali, encontramos uma semente e sentimos apreço. Analisamos os pequenos achados: algumas sementes potentes, capazes de povoar novamente as terras e preencher de vida e viço o solo castigado, já às vésperas da desertificação. Nasce um enorme desejo de cultivar.
Grandes abalos propiciam singelos recomeços. Parar e detectar as necessidades mais urgentes, emudecer certezas desgastadas, acalentar esperanças. Quando o mundo externo, há pouco tão vasto e vistoso, paralisa, o mundo de dentro faz o seu chamado. Pães são fermentados, vasos se transformam em hortas, a decoração dos interiores, incluindo a da alma, é renovada, e a própria companhia passa a ser o presente do dia. Para reflorestar as terras é necessário cuidar das sementes que sobreviveram, as mais importantes, aquelas fortes e atemporais que guardam dentro de si a capacidade de ofertar abrigo e sombra, alimento e valor.
O filósofo e poeta francês Gaston Bachelard escreve que “a casa abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa nos permite sonhar em paz. Somente os pensamentos e as experiências sancionam os valores humanos. Ao devaneio pertencem os valores que marcam o homem em sua profundidade”. É nos interiores e nas profundezas que achamos as vivências marcadas, acentuadas, os valores significativos que merecem ser cultivados no viveiro de um novo tempo e de uma nova maturidade. Valores conectados à sabedoria constante, que pode ser reconhecida na natureza.
Ao plantar e colher qualquer tipo de semente, o jardineiro pode pensar sobre a lei da ação e reação, em que cada plantio gera determinada colheita. Ao observar o movimento constante e ininterrupto dos astros, um astrônomo pode reconhecer a lei do movimento. Pode ser que a maçã que caiu diante do físico inglês Isaac Newton o tenha ajudado a formular a lei da gravitação universal. E, assim, a natureza toca sua música constante com padrões incorruptíveis que influenciam o fazer diário, que inspiram tudo e todos desde a fermentação do pão até o retorno de cada pensamento e ação impressos no mundo.
Distanciar-se demais das leis naturais gera sofrimento. A desarmonia em relação ao pulsar do Universo causa embate, atrito. Basta imaginar a enorme força exigida para nadar contra a correnteza de um rio. Ou a falta de movimento, que gera dores no corpo, assim como o excesso, por outro lado, gera lesões. As diversas desarmonias construídas em decorrência do distanciamento dessas engrenagens naturais vão incomodando, às vezes oprimindo, até que chega o momento-limite para algum tipo de transformação ou regeneração. Nesse processo de reajuste à cadência da natureza, a devastação não implica apenas algum fim, mas também significa algum início.
Por isso, em meio a terras devastadas, torna-se essencial reconhecer e cultivar as sementes mais valorosas, sabedorias atemporais que podem fazer parte de um novo plantio. O trabalho de cultivo pode parecer custoso e, por vezes, solitário. Talvez pareça tarefa pequena e simples. Mas a força do cultivo com afinco vibra para além de si mesma, cativando e atraindo outras forças semelhantes. Nada fica despercebido. Nenhum esforço é em vão. Movimento gera movimento. E, aos poucos, pode ser que esse enorme desejo de cultivar tenha sucesso e as terras, antes devastadas, respondam ao amor do jardineiro. Com o crescimento, uma árvore frondosa frutificará, doando sombra e chamando pássaros que trarão vivacidade e música, e que ajudarão no trabalho de dispersar novas sementes.
Em nosso contexto, é raro haver silêncio interno e externo. Internamente, cada um está com a mente repleta de palavras: um fluxo incessante de pensamentos, que dificultam perceber o significado essencial. Ao mesmo tempo, não abrimos espaço para ouvir: mal escutamos o que vem de fora, especialmente se não confirmar nossas ideias, logo pensando em como defender a própria visão. Assim, a palavra frequentemente confunde e separa, em vez de servir de ponte para a autêntica comunicação.
"Tentar subir às alturas sem fazer pontes firmes é como ver um filme avançando sempre as partes menos importantes no anseio de se chegar ao fim. Quando se vê, no descuido do afã, perdeu-se sem querer a própria história, com suas pequenas e entretecidas ligaduras.
Uma teia de costura falha, só no alinhavo, com pontos longos e distantes que, ao menor sacolejo, se rompe inutilmente."
Caroline Derschner
"Consideremos, pois, como deve ser na Terra, e não como é agora. Então, todo o espiritual na Terra se assemelharia a um líquido límpido que se encontra em constante movimento circular e assim permanece, a fim de que não absorve ou até mesmo enrijeça.
Pensai também num riacho alegremente murmurante. Como é deliciosa sua água, como é refrescante e vivificante, oferecendo ruptura a todos os sedentos e com isso trazendo alegrias e realizações vitórias no caminho que segue.”