Pontes sob o céu

abril 08, 2025


Havia tantos lugares em que gostaria de estar, mas já fazia cerca de dez minutos que seguia retida embaixo de uma ponte, em um longo e denso congestionamento.

O pensamento não se conformou. Pulou logo pela janela e foi longe, subindo aos ares, buscando escapar como pôde.

No entanto, enquanto olho para a frente sem poder seguir, lembro que não há muito para onde ir sem passar antes pela via concreta que se mostra bem diante de mim. Por mais que busquemos a agilidade de sonhos e vontades, faz-se necessário atravessar a realidade primeiro.

Ainda parada embaixo da construção, tento, em vão, fitar o céu acima e mais além, mas não é possível lançar-se direto às alturas almejadas. É preciso, antes, fazer uma ponte.

Para viver o extraordinário, é preciso pegar nos fios da vida com mãos humildes e atravessar o ordinário, as coisas simples do cotidiano, os dias fáceis e difíceis, as estradas, as vias e os engarrafamentos de coisas, pessoas e sentimentos.

Um portão emperrado, as filas, a demora nas entregas, o ponto que, sem querer, sai da curva e as conversas que, sem querer, passam do ponto.

A experiência humana na Terra não está imune aos atritos da vivência na matéria que, uma vez vencidos, pouco a pouco permitem elevarmos nosso passo para um caminhar mais leve, sem desviar, negar ou pular nenhuma parte.

Tentar subir às alturas sem fazer pontes firmes é como ver um filme avançando sempre as partes menos importantes no anseio de se chegar ao fim. Quando se vê, no descuido do afã, perdeu-se sem querer a própria história, com suas pequenas e entretecidas ligaduras.

Uma teia de costura falha, só no alinhavo, com pontos longos e distantes que, ao menor sacolejo, se rompe inutilmente.

Como diferenciar as coisas simples, porém necessárias, das supérfluas no mundo da matéria?

Em certos locais hoje em dia, assim como no passado, noviços em mosteiros recebem, como sua primeira tarefa espiritual, uma rude escova, acompanhada de sabão e água. Se não passarem bem pelo serviço, de corpo e alma, desejando estar sempre em outro lugar, recebem uma reprimenda de seus mestres, já que o primeiro passo, mais simples e fácil, não foi dado com sabedoria.

Passar pelas vivências e situações grandes e pequenas que a vida nos endereça é um ato de entrega e serviço. Na Terra, o desenvolvimento real passa pela simplicidade da travessia do destino, sem lacunas, brechas ou saltos por desfiladeiros que muitas vezes julgamos desnecessários.

Quando compreendemos com acerto esse ensinamento, não negligenciando o caminho em busca do final da estrada, nas coisas mínimas logo se revelam as máximas. Fazer a ligação entre o mais sutil e almejado e a realidade no mundo da matéria, transformando-a, é tarefa do espírito em plena atividade, por meio de forças que encontra ao seu dispor.

Jesus, quando esteve na Terra, deu na oração “Pai Nosso” a sentença: “Venha a nós o Teu reino!”, que traduziu o esforço necessário e desejado em elevar a Terra até os moldes do céu. Isso quer dizer trabalhar a matéria e o mundano, movimentando, elevando e enobrecendo tudo que for possível.

Sobre isso, o autor Abdruschin escreve em Na Luz da Verdade: “Por isso a sentença:

‘Venha a nós o Teu reino!’ Isto quer dizer: queremos chegar também aqui na Terra a tal ponto que o Teu reino perfeito possa estender-se até aqui! (...) para que também a Terra, mediante a alma humana, venha a ser um reino do cumprimento da vontade de Deus!’”

Fito o céu procurando grandes corpos celestes, enquanto que, ainda sob a ponte, um oportuno vão destaca-se entre os blocos; um espaço cuidadosamente projetado pela engenharia para dar flexibilidade ao mastodonte de concreto. O detalhe tem uma função importante: garantir que, ao ser tocada pela vibração do movimento, a forte estrutura não se rompa, rachando ao meio e vindo ao chão com impacto. Tocada pelo sobrenatural?

Em verdade, os vãos permitem à ponte certa flexibilidade para suportar determinadas irradiações e o movimento que a ela é imposto pelo que vem de fora. Enquanto ela se curva levemente e permite ser influenciada pelo interagir do universo, nós também assim o fazemos, ou deveríamos, permitindo que os pequenos desafios nos toquem e nos ajustem, sem perdermos nisso nossa base estruturante.

Começar sempre pelo mais imediato que entra em contato conosco parece tarefa fácil, mas quando refletimos, por exemplo, que a inspiradora frase sobre “amar o próximo” começa de fato por quem está mais próximo, colocamos em perspectiva a grandeza das pequenas lições.

Aprendendo dessa forma, pela travessia disposta e atenta da realidade, pegamos, enfim, em balde e escova. Flexíveis, aceitamos o destino, o asfalto, o tudo e todo o necessário para viver e compreender direito o que está logo à frente, antes de chegar a qualquer lugar mais longe.

Não negligenciando nada que nos toca e fazendo nosso papel entre céu e Terra, transformamo-nos, afinal, em vínculo útil e necessário entre dois mundos. Como uma ponte bem construída, passamos a ser firme ligadura, capaz de resistir e subsistir aos movimentos do futuro, e só assim ao que vier muito mais além...

 

Caroline Derschner

 



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