Por: Daniela Schmitz Wortmeyer
Respirar. Profundamente respirar. Nem tinha me dado conta de quanto tempo fazia que eu não respirava de verdade. Chegamos ao final da trilha e encontramos a cachoeira transpassada pela suave luz da manhã, ainda silenciosa e intocada naquele dia.
Um raro privilégio em um lugar normalmente visitado por muitos turistas, nem sempre gentis e cuidadosos ao adentrarem o lar de tantas plantas, animais, minerais... Assim, por longos minutos, estávamos sozinhos no chamado Poço do Sol. Foi possível mergulhar nas suas águas frias e vivenciar um autêntico despertar.
Eu vislumbrava as samambaias cor-de-esmeralda que enfeitavam as paredes de pedra por onde jorrava a água pura e cristalina; aquele verde-escuro iluminava toda a piscina natural, compondo um cenário que irradiava força de vida. Depois, sentada à margem e contemplando aquele
quadro tão especial, percebi que respirava de um modo profundo e consciente.
Essa vivência me fez refletir sobre o quanto perdemos em saúde, vitalidade e
autoconsciência ao negligenciar momentos de simples contato com a Natureza em nosso cotidiano.
Nos meses que se seguiram, passei a pesquisar mais sobre o significado da respiração, tema que veio à tona de forma muito nítida naquele momento.
Respirar parece algo tão natural e automático, que frequentemente se torna subestimado em nosso dia a dia.Porém... basta faltar-nos o ar, por alguns segundos apenas, que experimentamos aflição, a sensação de ter nossa sobrevivência colocada em perigo.
Subitamente, tornamo-nos conscientes de como é precioso o ar que respiramos.
É interessante observar como, ao deixar o útero materno, temos como sinal de nossa independência daquele ambiente protegido, assim como de nossa conexão com o mundo exterior, a primeira respiração; de modo análogo, o fim de uma jornada terrena é associado ao último suspiro.
Em línguas antigas como hebraico, sânscrito, latim e grego, vemos a mesma
expressão que designa “respiração” sendo usada para referir “alma” ou “espírito”. É conhecida a narrativa bíblica sobre a origem da humanidade, segundo a qual o homem, moldado a partir do pó pelo Criador, teria recebido um sopro do hálito da vida em suas narinas, tornando-se, a partir
de então, um ser vivo (Gênesis 2,7).
No livro A Doença Como Caminho, Thorwald Dethlefsen e Rüdiger Dahlke analisam como, por meio da respiração, estamos ligados a algo que nos transcende, uma vez que dependemos de um fluxo que está além da forma, que não faz parte de nós, nem nos pertence.
O ar que respiramos é compartilhado com todos os seres vivos, implicando, mesmo que não tenhamos consciência disso, uma conexão com o todo, por meio da energia vital que atravessa a Criação.
Nas palavras dos autores: “Vivemos na respiração como se estivéssemos dentro de um útero gigantesco, que se estende muito além de nossa pequena e limitada existência, pois ele é a vida, aquele derradeiro grande mistério que não conseguimos explicar, nem definir, que só podemos sentir abrindo-nos e permitindo que flua através de nós. A respiração é o cordão
umbilical através do qual esta vida flui para nós. É a respiração que faz com que continuemos fiéis a esse dar e receber”.
O processo de respiração é frequentemente associado a um movimento rítmico que se alterna entre polaridades opostas e complementares: inspiração-expiração, contração-descontração, retenção-liberação, receber-dar.
Uma polaridade não pode existir sem a outra, sendo necessário equilíbrio dinâmico entre ambas para que o fluxo da vida seja mantido.
Citando novamente Dethlefsen e Dahlke: “No caso, não importa o que se quer ter: dinheiro, fama, sabedoria, conhecimento. Em todas as circunstâncias deve haver equilíbrio entre dar e receber, caso contrário sufocaremos com o que tomamos.
A pessoa só recebe na medida em que dá.
Quando para de dar, interrompe-se a corrente e esta não flui mais. Como são dignos de pena os que querem levar seu conhecimento para a sepultura!
Protegem com tanto zelo o pouquinho que
conseguiram obter, renunciando à plenitude, que terminam tendo de esperar por todos os que aprenderam a distribuir de forma transformada o que obtiveram. Ah, se o ser humano fosse capaz de compreender que existe mais do que o suficiente de tudo para todos!”
Na mesma direção, na obra Respostas a Perguntas, o escritor Abdruschin analisa o fenômeno da respiração à luz de uma lei que perpassa toda a Criação, ligando indissociavelmente o dar e o receber. Nas palavras do autor:
“Com a expiração o ser humano dá!
Ele dá algo que representa uma utilidade para a Criação: mencionamos aqui apenas o carbono, necessário à alimentação das plantas. Reciprocamente, ou consequentemente, pode aquele ser humano, que cuida bem da expiração, inalar profundamente e com satisfação, pelo que lhe aflui grande força, completamente diferente da respiração superficial”.
Dessa forma, o tema da respiração nos conduz a analisar processos de troca, intercâmbio, relacionamento, comunicação. Por vezes, nossa atenção está muito voltada para o receber: desejamos inalar livremente ar puro e abundante, buscamos saúde, satisfação, conhecimento, realização e tantas coisas mais. Contudo, não raro esquecemos que é preciso realimentar o ciclo da vida, doando algo do que recebemos. Dessa forma, contribuímos para o equilíbrio e a contínua renovação da energia vital.
Naturalmente, isso não se refere apenas ao aspecto físico, mas a todas as dimensões de nossa existência, como esclarece Abdruschin: “Assim como se manifesta nos acontecimentos corporais, igualmente se processa nas coisas espirituais. Se um espírito deseja colher, isto é, receber, então deve transformar e retransmitir o recebido.
A transformação ou formação, antes da
retransmissão, robustece e tempera o espírito, que, nesse fortalecimento, torna-se capaz de absorver cada vez mais coisas valiosas, após haver criado espaço para isso pela transmissão, seja por palavras ou por escrito ou outra ação”.
Poder respirar livremente se liga à sensação de liberdade e plenitude. Diante de tantos acontecimentos que nos provocam “falta de ar”, ansiedade e medo, talvez caiba olhar com mais atenção para o significado profundo do fenômeno da respiração. Se respirar nos conecta ao fluxo vital da Criação e se, como vimos, é preciso dar para receber, quem sabe esteja aí uma indicação do caminho a ser percorrido. O que temos feito com o alento de vida que nos foi concedido? Em que medida buscamos nos conectar conscientemente com essa força que nos transcende?
Que contribuição prestamos para o equilíbrio e o desenvolvimento da Criação?
Quem sabe as águas frias da cachoeira, com seus reflexos verde-esmeralda, tenham feito muito mais do que redespertar meus pulmões para respirar o ar puro das lindas matas da Chapada dos Veadeiros.
Quem sabe, o contato com a Natureza tenha redespertado a consciência da força de vida que nos transcende, sustenta e conecta a toda a Criação.
Assim como da responsabilidade de contribuir, de algum modo, para o beneficiamento desse maravilhoso Universo, em que nos é concedido o dom da existência consciente.
“No Universo age uma lei eterna: Somente dando pode-se também receber, quando se trata de valores permanentes!”
Abdruschin, Na Luz da Verdade – Mensagem do Graal