Sibélia Zanon
Deitei na varanda da pousada e olhei o céu. As nuvens da noite anterior
haviam ido embora, revelando as tantas estrelas que habitavam aquele espaço
misterioso. Percebi que sentia falta de olhar para o céu nas noites estreladas.
Mas... por que eu não podia fazer aquilo com mais frequência?
Se a rotina tivesse uma cara, ela se pareceria com a do bicho-papão.
“Não dá tempo de parar para pensar, a rotina não deixa!”, “Não tenho tempo, a
rotina me engole!” são pensamentos que fazem parte do senso comum. Mas quem
constrói essa rotina soberana? Existe um senhor das rotinas, com o qual não
conseguimos contato ou negociação?
Acontece que a mal afamada rotina tem, sim, um lado bom. Ela está
relacionada à sequência, ao ritmo e aos ciclos da natureza, como o dia e a
noite ou as estações do ano. A rotina ajuda a organizar o caos, gera segurança
e representa nossas escolhas por determinados padrões, como uma boa
alimentação, por exemplo, tempo dividido entre trabalho e descanso e... frestas
para olhar o céu.
O perigo está em sistematizar a rotina a ponto de entrarmos no piloto
automático.Quando entramos nesse modo de operar, passamos a enfrentar
nossos problemas e achar soluções, apaticamente; vivemos grandes histórias sem
nos sentir protagonistas delas. Podemos cruzar com um elefante ou com um ipê
florido sem notar, porque marchamos anestesiados, embriagados de mesmice,
ausentes do momento presente. Vivemos, mas não vivenciamos.
E se pudéssemos reviver cada dia? Será que não poderíamos reviver com um
novo olhar, prestando atenção a detalhes, com uma postura nova sobre os mesmos
acontecimentos? A ideia, explorada em filmes como Corra, Lola, Corra (Lola
Rennt),ou no mais recente Questão de Tempo (About Time),leva a
refletir sobre como estamos aproveitando o presente. Será que vivemos com a
esperança de que o momento presente seja só um rascunho a ser passado a limpo
na próxima cena?
Coisas marcantes fazem parte da rotina. Ainda assim, somos perseguidos
pelo mito de que o cotidiano precisa ser suportado, enquanto que o bom e o ótimo
estão distantes, escondidos em alguma novidade que está por vir. Prorrogamos,
assim, a felicidade. “No meu próximo emprego serei reconhecido.”, “Em um novo
relacionamento serei mais feliz!” são mantras ilusórios. O mito do novo se
alastra como uma doença do mundo moderno, em que tudo precisa ser sempre novo.
Assim, continuamos consumindo relacionamentos e produtos, e com isso somos
supostamente felizes.
Imaginar que o importante está sempre além do momento presente gera um
mal estar, como se o agora fosse um desperdício, algo esvaziado de sentido,
repleto da nostalgia de um “vir a ser”. Dessa forma, a expectativa de
realização é transferida para um campo nebuloso, pouco palpável, talvez
inatingível. Se, porém, conseguíssemos estar inteiros e focados na realização
presente, cresceria em nós a sensação de completude, de satisfação e de
utilidade enquanto seres humanos. Cresceria o nível de consciência e de
presença no agora.
O céu está sobre as nossas cabeças, com as estrelas
mais ou menos visíveis, mas ele continua lá. Nem sempre é preciso sair da
rotina para viver o extraordinário. Quem sabe possamos entrar na rotina, com
corpo e alma, e então reconheceremos nela as pequenas frações do extraordinário.