Sibélia Zanon
Estava esperando os rabanetes ficarem maduros, prontos, crescidos. Eles até já estavam, eu ainda não. Às vezes me perco dos tempos da terra. Quando fui efetivamente sentir com as mãos o que acontecia, percebi rachaduras nas esferas vermelhas – tão maduras elas já estavam.
Mergulhamos num tempo que não se move. O tempo é. Nós passamos por ele em busca da grande colheita de experiências. Muitas vezes, por estarmos distraídos em abstrações passadas ou futuras, nós nos afastamos da experiência – nos perdemos da maturação do rabanete.
No livro Na Luz da Verdade, Abdruschin traz a seguinte reflexão: “O tempo permanece parado. Continua o mesmo hoje, ontem, durante mil anos! Somente as formas é que variam. Mergulhamos no tempo, para colher no regaço de suas anotações, a fim de fomentar nosso saber com as coleções que ele encerra! Pois nada se perdeu, tudo ele preservou. Não mudou, porque é eterno.
Tu também, ó ser humano, és sempre apenas o mesmo, quer pareças jovem ou velho! Permaneces aquele que és!”
Ainda que renovados e constantemente impactados por novas experiências, por dentro carregamos uma essência particular que caminha pelo tempo, pela existência. Ainda que mais velhos, revisados e remodelados, a essência permanece.
E o que essa essência deseja? Nem sempre o tempo do relógio parece colaborar.
Por um lado, a materialidade mais densa, em que estamos inseridos, implica uma relação de espaço e tempo, em que a experimentação é mais lenta. Aquilo que se experiencia demora para sedimentar.
Por outro lado, o tempo do relógio –chronos – parece exercer uma pressão diferente daquela que o tempo interno –kairós – deseja ou precisa para efetivamente se apropriar do experienciado.
Transformar internamente a experiência em marco de desenvolvimento leva seu tempo. Não estamos prontos para uma nova experiência quando a anterior ainda está reverberando e nos impactando por dentro. A aceleração constante combina com a máquina, não com o ser orgânico que somos, também sujeitos receptores e transformadores da vida. Tanto o corpo físico quanto o corpo interior precisam de tempo para perceber, entender e amadurecer determinadas curas ou convicções.
Como cada escolha é semeadura e implica um frutificar, nem sempre os frutos que colhemos permitem lidarmos do jeito que queremos com o tempo. Pode ser, por exemplo, que por um período o trabalho ocupe um espaço muito grande do nosso dia. Pode ser que alguma doença mude a relação que temos com o tempo. Quanto tempo cada um tem?
Assim como a terra está o tempo todo sendo influenciada pelo Sol, pela chuva, pela serrapilheira, nossa trajetória também está sendo influenciada por novas direções. Apesar das limitações, cada nova escolha, por pequena que seja, tem sua influência em abrir brechas para que ochronospossa, aos poucos, ceder algumas regalias para okairós.
Fazer as pazes com o tempo talvez seja uma maneira de se unir às colheitas, de aceitar o fruto e reconhecer o seu tempo particular e o tempo da terra.
O rabanete amadurece. Nós também amadurecemos por meio das tantas experiências colhidas, para, enfim, perceber a importância das horas.
“Qual é a hora que o relógio do Universo anuncia? Será que ainda tenho tempo de libertar-me daquilo que não vibra em harmonia dentro de mim?”, escreve Roselis von Sass no livroSabá, o País das Mil Fragrâncias.