Sibélia Zanon
Observo a paciência da sabiá por semanas. Ela construiu um ninho na prateleira de madeira da varanda, atrás do vaso pequeno onde fica uma planta pendente. Enfeitou o ninho por fora com umas ramas verdes, que se confundem com a planta.
Primeiro, vimos os três ovos azuis-turquesa com pintas marrons. Depois, vimos as três crianças recém-nascidas. Estão ainda bem pequenas.
Quando ela me vê, faz-se de invisível, encolhe-se tanto quanto pode para ficar camuflada no ninho. Os dois têm tons de marrom – o ninho e o corpo dela –, de modo que a camuflagem funciona um pouco.
Um dia me sentei na varanda e o casal não gostou. Eles se juntaram para piar em protesto. Venceram. Eu saí.
Depois do nascimento, leva uns quinze dias até as crianças saírem do ninho. A sabiá, afeita ao voo, vai ficar ainda um bom tempo sentada.
A paciência, que muitas vezes parece inação ou simples espera, pode estar repleta de outros sentidos. Por fora parece que existe calmaria, mas por dentro muito movimento acontece para suportar algo que não pode ser mudado ou que não pode ser resolvido no tempo desejado.
Assim como o luto tem estágios, pode ser que a paciência também tenha. Ela pode começar com certa irritação ao reconhecer a falta de controle de determinada situação. Depois pode vir a aceitação. Na sequência vem a espera ativa, até que nasce uma fagulha de esperança, sinalizando um novo caminho ou uma nova postura diante da realidade.
A espera ativa inclui, por exemplo, o cuidado. No caso de uma doença, cresce o amor pela parte ferida, a observação de como se dá a cura. Cresce também o entendimento de que existe um movimento. O tempo de cura é tecido por uma lei natural que está acima do nosso arbítrio.
Não adianta uma sabiá decretar que o filhote estará maduro para o voo em três dias. Não adianta também uma pessoa decidir que um osso quebrado vai consolidar-se em uma semana.
Assim, a paciência pode vir com a superação de si mesmo, a oportunidade de sair do circular do próprio umbigo e perceber que há uma organização maior e que, às vezes, é preciso reconhecer a incapacidade de controlar a situação e a necessidade de se curvar aos tempos do mundo.
Por mais que exista o desejo de evitar os incômodos pelo caminho, a pedra aparece como obstáculo inevitável a ser removido. O grande poder pessoal não se mostra necessariamente em retirar rapidamente o obstáculo da frente, mas na maneira de agir, na reação diante do obstáculo, como escreve o autor Abdruschin: “Se houver coisas de sua vida de até agora que o amedrontem, assustem e que preferiria deixar dormir continuamente… inesperadamente será colocado à frente delas! Tem de decidir, agir. Visivelmente as circunstâncias o impelem para isso. Se ousar, então, dar o primeiro passo confiante na vitória da boa vontade, o nó fatídico se abrirá, passará por ele e estará livre disso.”
Diferentemente do que se pode pensar, a inércia e a indiferença não combinam com a paciência, porque a paciência é viva, ela está atenta para a ação possível a ser tomada com presença, entrega íntima e também ousadia para escolher novos movimentos.
Enquanto não posso me sentar na varanda, assisto à paciência da sabiá. É provável que ela fique mais sábia depois de os filhotes ganharem o voo.
“O rei olhava para Roca.
— Tua missão exige muita paciência.
Roca acenou com a cabeça. Ele sabia que não seria sempre fácil. Atuar como elo entre os diversos povos, que voluntariamente haviam-se unido aos incas, necessitaria de muito tato e conhecimento dos seres humanos. A isso se juntavam os muitos negócios de troca… Era essa a parte mais difícil de sua missão, pois ninguém deveria ser prejudicado. O dar e o receber sempre deveriam estar em perfeito equilíbrio…”
Roselis von Sass, A Verdade sobre os Incas
Conheça o livro:
A paciência pode parecer sinônimo de inércia. Mas será? Espera, inquietação, rejeição, sofrimento, aceitação, esperança…
Sibélia Zanon
Chá de cadeira. São muitas as situações em que sentimos que a paciência é requisitada. Aguardar uma pessoa, o resultado de um exame, o retorno sobre uma vaga de emprego, uma mudança de comportamento nossa ou de alguém próximo. A paciência pode parecer sinônimo de inércia. Mas será? Espera, inquietação, rejeição, sofrimento, aceitação, esperança… são muitas as emoções que podem sentar-se juntas nessa cadeira. Às vezes, a cadeira convida a esperar; às vezes, o convite pode ser para ousar.
“Viver é experimentar exatamente isso: cuidar de uma pequena parte, de modo a agregar ao todo. Qual a nossa colaboração na transformação da energia que nos mantém vivos? Qual o melhor encaixe que podemos fazer de nós mesmos dentro de um sistema que já trabalha, por natureza, de forma colaborativa?”
Sibélia Zanon