Sibélia Zanon
“O essencial é que o homem possua a fundo qualquer coisa e que se lhe
dedique inteiramente como nenhum dos que o rodeiam o poderia jamais fazer.”
Johann Wolfgang von Goethe
Diz a parábola que certo dia um homem
foi à floresta em busca de um pássaro e acabou levando para casa um filhote de
águia.
Lá, o filhote foi colocado junto às
galinhas, patos e perus. Cresceu ciscando o mesmo milho e andando pelo mesmo
chão que as outras aves. Um dia, um naturalista descobriu a águia em meio às
galinhas e desafiou o homem, dizendo que aquela ave nunca deixaria de ser uma
águia, mesmo tendo vivido entre as galinhas. O homem não concordou. Então, o
naturalista incentivou a águia a voar. Mas como ela sempre via as galinhas no
chão, acabava decidindo se juntar a elas. Um dia, então, ele levou a águia para
longe, no alto de uma montanha, em meio a uma natureza exuberante. A águia
abriu suas asas e levantou voo.
A parábola, de James Aggrey, foi
escrita como um lembrete aos povos africanos, então sob dominação europeia.
Aggrey, pedagogo nascido em 1875 na antiga Costa do Ouro britânica, hoje Gana,
falava sobre a riqueza de uma cultura que não deveria ser calada, mesmo se submetida
à opressão.
Provavelmente, cada pessoa já se
sentiu, ao levantar-se da cama, com o potencial de alçar voo ou, ao contrário,
conformada e moldada a uma rotina sem propósito. A galinha, gentilmente, prestou
um serviço para a alegoria, pois a questão não é exatamente o tipo de vocação que
se tem ou o tipo de atividade que se exerce, mas sim: com que propósito?
“Cada pessoa pode e deve
aspirar por ideais, seja qual for a atividade que desenvolve aqui na Terra.
Pode com isso enobrecer qualquer espécie de trabalho, dando-lhe finalidades
amplas”,escreve Abdruschin em Na Luz da Verdade.Estamos vendo
propósito no nosso presente? Nossa atuação vibra em concordância com o que
sentimos?
Quando vivemos sem conseguir ver
sentido na vida, deixamos de alimentar os pensamentos com o frescor das novas
possibilidades. É como se tivéssemos deixado de expandir nossos galhos em busca
da luz do Sol e ficássemos encolhidos na sombra. Ter um propósito, por outro
lado, alia a realização ao senso de utilidade. Realizar-nos, deixando um legado
ou estendendo os braços-galhos para expandir os benefícios de nossa atuação
além de nós mesmos.
Para aquela águia, voar não foi fácil.
Era algo novo, desconhecido. Para as pessoas, quebrar paradigmas, dirigir um
potente olhar sobre si mesmas, descobrir qual o seu potencial, e em nome de
quais objetivos o seu interior vibra, exige sair da zona de conforto. Muitas
vezes, gera sofrimento, dor que não deixa de ser agente transformador em
importantes momentos da vida.
“Meditas, por exemplo, a sério sobre
determinada coisa, tal pensamento se tornará fortemente magnético dentro de ti
pela força do silêncio e atrairá todos os afins, tornando-se, desse modo,
fertilizado. Ele amadurece e transpõe os limites da rotina, penetra devido a
isso em outras esferas também, recebendo aí a afluência de pensamentos mais
elevados... a inspiração!”,escreve ainda Abdruschin. Com o olhar já mais
apurado sobre um propósito específico, é possível cultivar um pensamento,
concentrando energias e, por fim, dando asas às vontades.
O escritor Jonas Ribeiro conta em O
esconderijo das vontadessobre uma cidade, onde moravam muitas vontades:
“Os moradores da cidade gostavam de suas profissões, mas sentiam vontade de
fazer algo mais. Não havia graça em só fazer o que já sabiam. Eles queriam
mais, muito mais. E, todos os dias, o Sol se levantava e animava as vontades a
sair de seus esconderijos”.Para que as vontades saíssem dos esconderijos,
as pessoas precisavam dar atenção e alimento a elas.
Buscar e fortalecer um
propósito significa, inicialmente, olhar para si mesmo e alimentar um
pensamento que, pouco a pouco, passa a ser mais do que uma ideia fugaz. Um
anseio profundo, um pensamento gerado e moldado, cultivado e protegido, pode um
dia ser fertilizado e, quem sabe, então, concretizar-se em ação. Nesse dia a
águia ganhará os ares.