Desde que me
lembro de mim, em cada dia de aniversário, uma das primeiras coisas que via era
minha mãe me desejando um feliz renascimento em frente a uma vela acesa. Mais
do que uma vela, aquele ritual abrigava o agradecimento por mais um ano,
simbolizava um brinde pela vida. Lembrava da chance que foi ter nascido e de
como, mais uma vez, mais um ano havia sido experimentado e um novo capítulo da
minha história poderia ser construído dentro de possibilidades e potencialidades
ainda a descobrir.
Um ano novo se
abria como uma caixa de surpresas, uma caixa de incógnitas, uma caixa de
oportunidades... um combinado de desafios. Hoje não moro mais com meus pais,
mas nos meus aniversários continua existindo uma vela acesa na minha casa, como
uma chama de prece para que eu possa me irmanar com o sentido de uma vida bem
usufruída.
Imagino que cada um tem em sua história um ou outro
ritual que, vez por outra, é alimentado ou guardado com calor em um espaço
afetivo da memória. Penso que os rituais têm importância na medida em que
simbolizam a sede interior de sorver um líquido ou uma essência pura da vida.
Servem para dar vazão ao que pulsa no interior de cada um e não pode ficar
retido lá dentro, precisando ganhar uma expressão física, transformar-se em
algo que se possa ver, fazer, pegar e são, por isso, materializados por meio de
um ímpeto grande que impulsiona de dentro para fora. Assim, poderia, por
exemplo, ser acesa uma vela numa árvore de Natal, como expressão de algo grande
que se sente interiormente.
Tradições,
rituais e até mesmo certos ritos de passagem parecem ganhar força ao final de
cada ano. Contudo, na medida em que são, muitas vezes, esvaziados de suas
verdades simbólicas e passam a ser ações mecânicas ou meras obrigações, o valor
de cada ritual torna-se questionável porque o que não tem verdade carece
daquela força do impulso interior, carece da força da semente e é, por isso, um
broto murcho, uma vela que não consegue se manter acesa, suscetível à sutileza
de uma frágil corrente de ar.
Mais do que mesas
fartas ou presentes, penso que a beleza do final do ano estaria no resgate da autenticidade
de cada ação, trazendo a todo e qualquer ritual o valor que possa preenchê-lo
de vida. Assim, seriam renovados o Natal e o Ano Novo, não com a euforia dos
maiores fogos de artifício, mas com a força do querer interior, pulsando na
sintonia do rito de passagem, na sintonia de uma nova oportunidade, na sintonia
de uma história que não vai mudar completamente por conta do calendário, mas
poderá ter alterações pela força de cada ação.
“A árvore de Natal com as velas acesas surgiu
somente por volta do ano 1600 na Alemanha. Utilizavam-se pequenos buxos em
cujas pontas se colocavam velas. As pequenas árvores de buxos, enfeitadas
apenas com velas, significavam simbolicamente que em uma Noite Sagrada viera a
Luz para a Terra... Mais tarde se utilizaram de árvores maiores, tipo pinheiro,
com a mesma finalidade. Contudo, durante longo tempo as velas continuaram como
único enfeite das ‘árvores de Natal’.
Nas árvores de Natal excessivamente enfeitadas de
hoje, já nada mais indica que numa noite se acendera uma Luz na Terra através
do nascimento de Jesus.”
Em uma época em que há tanto disponível nas prateleiras, pode parecer desnecessário criar algo com as mãos. Esse labor, no entanto, vai ao encontro de uma necessidade mais profunda: a reconexão com processos que se ligam à essência da própria vida. Mais do que o resultado material das atividades, o que importa é a transformação vivenciada no interior do próprio ser humano.
“Os pais terrenos oferecem proteção e ajuda para a época que o espírito necessita, a fim de conduzir de maneira plena e autorresponsável seu novo corpo terreno; depois, porém...”