Daniela Schmitz Wortmeyer
Nem sei bem como tudo aquilo começou. O sol do
meio-dia, o calor e o desejo de chegar logo e descansar, mais a ansiedade pelo
novo, em meio a uma profusão de cores e cheiros. Eu olhava em redor e parecia
não acreditar no que via: um jardim extasiante, repleto de múltiplas espécies
de variados tamanhos. Frutíferas, floríferas, gramíneas... Eu não sabia para
onde olhar primeiro. Quando me dei conta, estava saboreando vorazmente os
frutos doces e suculentos de um pé de amora preta com enormes espinhos. As
espetadas eventuais nos dedos tornavam aquele momento ainda mais gratificante,
com jeito de infância, e com ar maroto eu olhava para os lados, pensando se
haveria algum espectador para minha travessura. Mas não havia. Eu estava livre
para ser criança de novo, sentindo uma euforia inesperada naquele início de
férias.
A experimentação de frutas não parou por aí. Descobrimos
carambolas, abacates, lichias, laranjas, mamões, pitangas, amorinhas silvestres...
O caminho entre as árvores era bordado por muitas flores, incluindo rosas de
diversas colorações: vermelhas, amarelas, rosa-claro, salmão. Em um passeio
pela pequena cidade dos arredores, encontramos grandes arbustos de framboesas,
que pareciam saídos de um conto de fadas. Percebi como aqueles seres do reino
vegetal me remetiam a memórias de encantamento e alegria, difíceis de situar no
tempo e no espaço.
O jardim encantador era cultivado por um senhor de
origem japonesa, que dias depois contava que levou quarenta anos para alcançar
aquele resultado, trabalhando arduamente em um solo pauperizado. Passei a
observar com que zelo e paciência o homem idoso recolhia o lixo que passantes
deixavam nos canteiros, amarrava delicadamente com fibra de bananeira roseiras
maltratadas, inspecionava as necessidades de cada planta, plantava e replantava,
apesar das forças contrárias que se faziam sentir de forma intermitente. Aquela
persistência silenciosa me comoveu profundamente. Pensei no quanto todo o
esforço fora recompensado com o passar do tempo, no quanto o trabalho lento e
contínuo produzira efeitos beneficiadores para inúmeros seres, incluindo o
próprio jardineiro.
O exemplo do homem idoso me entusiasmou, para a
jardinagem e para a vida. Fui a um viveiro de mudas perto dali e ousei escolher
várias: framboeseiras, pitangueiras, roseiras arbustivas, e ainda uma
jabuticabeira e um pequizeiro. Meu esposo e eu resolvemos também apostar na
persistência e plantamos todas em uma área livre ao lado do condomínio onde
moramos (em outras épocas, eu havia desanimado, depois de alguns malogros de
semeaduras por ações de vizinhos desajeitados...). Outras pessoas também se
alegraram com a ideia: o zelador, o síndico, alguns moradores.
E continuamos zelando pelas mudas, cada vez mais desenvolvidas.
Outro dia montamos uma treliça para os pés de framboesa se entrelaçarem, pois
estão despontando ramos fortes e surgindo as primeiras (belíssimas e
deliciosas) frutas. Quando passo pela área onde estão as plantas, esqueço por
alguns momentos das preocupações rotineiras e me entrego à contemplação dos
brotos e flores, arranco ervas daninhas, podo galhos secos, analiso as medidas
necessárias. De certa forma me entrego ao clima de encantamento que me motivou
a trazer as mudas para cá, minha alma brinca em uma região que meu cérebro
racional não consegue definir, mas que meu coração conhece bem, como o sonho de
viver em um jardim de conto de fadas.
É claro que investir em ideais implica correr riscos:
todos os dias me estico hesitante pela janela para ver se as mudas ainda estão
lá... Deparar-se com a violação de um sonho é sempre uma experiência dura, como
quando plantamos mudas que terminam por ser devastadas – na jardinagem como na
vida. Confesso que ainda não consigo lidar bem com essa situação, pois o
esforço e o cuidado dedicados a um projeto criam laços de afeto que almejam
florescer sempre, sem interrupções. Mas a atitude de meu mestre nipônico me ensina
que o amor e a confiança podem suplantar fracassos momentâneos, que é possível
corrigir e replantar, apesar das forças contrárias. Mesmo que um jardim leve
muitos anos para prosperar, as leis da natureza seguem seu curso e trazem, na
época certa, generosos frutos aos que com elas labutam. Na jardinagem como na
vida.