Daniela Schmitz Wortmeyer
Feminino, masculino... Será que em breve essas
palavras sairão de circulação, tornando-se mera curiosidade histórica? Homens e
mulheres estão cada vez mais parecidos, não apenas em termos de direitos e
deveres, mas de atitudes e comportamentos... Será esse um sinal de evolução –
ou de massificação?
Valores e costumes transformam-se em matéria
maleável, moldada conforme os desejos e conveniências do momento. Qualquer
pensamento a respeito de papéis essencialmente femininos ou masculinos é
facilmente interpretado como restritivo à “liberdade” de escolha, obsoleto e
ultrapassado. Em contrapartida, uma das mais graves restrições à liberdade é justamente
a conformidade do senso comum, que impede o exercício do questionamento e a
consideração de outras possibilidades de existência. É fundamental refletir
sobre quais valores estão servindo de base para a pretensa igualdade entre homens
e mulheres, em que medida eles conduzem a um genuíno desenvolvimento humano, antes
de fazer coro ao discurso da suposta maioria.
Em um olhar de relance pela História, vemos surgirem
a partir da segunda metade do século passado movimentos feministas, contestando
com veemência a dominação masculina e a opressão às mulheres nas sociedades
humanas. Desde então, assistimos a um crescente avanço da emancipação feminina.
Aspectos como o matrimônio e a maternidade, antes considerados como imperativos
para que as mulheres cumprissem sua “destinação” na sociedade, são hoje vistos
como opções, ligadas a projetos de vida construídos diante de inúmeras possibilidades.
A participação das mulheres se ampliou nos setores político, econômico,
profissional... Entretanto, se olharmos com mais atenção para essa
participação, será que a veremos seguindo um referencial propriamente feminino?
Ou terão as mulheres adotado muitas vezes um referencial masculino de sucesso e
realização, para serem efetivamente valorizadas na sociedade? Será que
realmente atravessamos uma transformação de referenciais rumo a um equilíbrio
entre as polaridades masculina e feminina, ou marchamos para a crescente
massificação ao ritmo da cadência do mercado?
O psicanalista Erich Fromm, no livro A Arte de Amar,
afirma que: “Na sociedade capitalista contemporânea, o significado da igualdade
tem passado por muitas transformações. Por igualdade, entende-se a igualdade
dos robôs, a igualdade de homens que perderam sua individualidade. Igualdade significa hoje ‘uniformidade’, em
vez de ‘unidade’. [...] É por isso que devemos encarar com certo ceticismo
algumas realizações que costumam ser celebradas como sinais de nosso progresso,
como a igualdade das mulheres. Nem é preciso dizer que não estou falando contra
a igualdade das mulheres, mas os aspectos positivos dessa tendência à igualdade
não devem nos enganar. Ela vai no sentido da eliminação das diferenças. A
igualdade tem seu preço: as mulheres são iguais porque não são mais diferentes.
[...] A polaridade dos sexos está desaparecendo e, com ela, o amor erótico, que
se baseia nessa polaridade. Os homens e mulheres tornam-se a mesma coisa, em vez de serem iguais
como os pólos opostos.”
Se analisarmos muitas das publicações atuais sobre sucesso
profissional, veremos a exaltação de características como empreendedorismo,
ambição, competitividade, liderança, orientação para resultados e, de forma
explícita ou não, alguma dose de agressividade. Além disso, um excelente
profissional deveria ter como prioridade máxima a empresa, com disponibilidade
em tempo integral, sem demandas ligadas a necessidades pessoais ou familiares.
Um padrão a ser seguido por homens e mulheres indistintamente, calcado na ação
quase ininterrupta, sem espaço para a introspecção e a reflexão. Todos se
tornam máquinas a serviço da produção e do consumo, sem tempo para cultivar
valores mais sutis. A educação assume cada vez mais os contornos de uma linha
de produção de ferramentas úteis para o mercado, sem espaço para a
singularidade e o desenvolvimento humano em sentido abrangente. Trata-se o
conhecimento sob uma perspectiva instrumental e utilitarista, eliminando-se o
genuíno prazer de descobrir o mundo e a si mesmo, de explorar potencialidades
para pensar, sentir, fazer e criar, inerentes à efetiva realização humana. A
marginalização das disciplinas humanísticas, artísticas e lúdicas foi apenas o
começo desse processo, que hoje culmina com o esvaziamento dos currículos escolares
de modo geral.
A esse respeito, a emancipação feminina representou
uma mudança mínima. Ao contrário, grande parte das mulheres enquadrou-se diligentemente
nesses padrões masculinos de realização, reforçando-os ao invés de oferecer
alternativas. Uma verdadeira transformação teria sido provocada pela efetiva
emergência de valores femininos em complemento ao polo masculino, como veremos
a seguir.
No livro O Tao da Física, o físico Fritjof Capra observa
que: “Nossa cultura tem favorecido, com firmeza, valores e atitudes yang, ou masculinos, e tem negligenciado
seus valores e atitudes complementares yin,
ou femininos. Temos favorecido a autoafirmação em vez da integração, a análise
em vez da síntese, o conhecimento racional em vez da sabedoria intuitiva, a
ciência em vez da religião, a competição em vez da cooperação, a expansão em
vez da conservação, e assim por diante. Esse desenvolvimento unilateral atinge
agora, em alto grau, um nível alarmante, uma crise de dimensões sociais,
ecológicas, morais e espirituais.”
O desenhista e educador Santiago Barbuy, na obra O
Espaço do Encontro Humano, apresenta um raciocínio análogo, analisando a forma
como as metrópoles contemporâneas se estruturam e os relacionamentos humanos
que refletem e ensejam. Para ele, as cidades estão saturadas de aspectos yang, ligados ao determinismo,
planificação, previsão, controle, em suma, ao “cheio”, e carecem de “vazio”, de
valores yin relacionados à incerteza,
à instabilidade, ao sonho e ao silêncio. “Um som vale no tempo quando é
precedido e sucedido por um silêncio apropriado. Um volume material corpóreo
depende da funcionalidade do espaço vazio que o rodeia. É tão importante o som
quanto o silêncio; o espaço cheio quanto o espaço vazio. E a cidade é um
amontoado de volumes que carecem do vazio que lhes corresponde.”
Para Barbuy: “O espaço vazio se carrega de futuro;
por isso, no espaço vazio se alojam a imaginação, o sonho e a poesia. O espaço
vazio é o âmbito dos valores anímicos.” Tal constatação tem implicações
profundas nos relacionamentos humanos: “Somente quando em um ser humano ou em
um grupo social se começa a manejar os valores de ausência, silêncio, carência
e vazio, pode-se reconhecer uma sabedoria na convivência.”
Segundo Fritjof Capra, o “significado original das
palavras yin e yang correspondia aos lados ensombreado e ensolarado de uma
montanha”. Ele ressalta que: “Desde os primeiros tempos, os dois polos
arquetípicos da natureza foram representados não apenas pelo claro e pelo
escuro mas, igualmente, pelo masculino e pelo feminino, pelo inflexível e pelo
dócil, pelo acima e pelo abaixo. Yang,
o forte, o masculino, o poder criador era associado ao Céu, enquanto yin, o escuro, o receptivo, o feminino,
o maternal, era representado pela Terra.”
As qualidades propriamente yin ou femininas, portanto, estariam ligadas à receptividade,
consolidação e sustentação dos processos, à nutrição das formas de vida, à
subjetividade, ao silêncio e à introspecção, ao passo em que as qualidades yang ou masculinas relacionam-se à
atividade, à expansão e realização material imediata, à objetividade e à
movimentação. De forma semelhante às extremidades de uma bateria, yin corresponderia ao polo negativo, e yang ao positivo.
Isso não significa que homens e mulheres possuam
exclusivamente características yang
ou yin. Como representado no conhecido Diagrama do
Supremo Fundamental, que expressa o movimento do Universo na interação dinâmica
entre as polaridades opostas, cada extremo guarda em seu interior a semente do
seu oposto. Todos os seres possuem em si ambas as polaridades, em diferentes
proporções. O caminho da sabedoria consistiria na busca do justo equilíbrio entre
esses elementos opostos. Um equilíbrio polarizado, em que cada ser permaneça
fiel à sua natureza.
Na palestra O Ideal Feminino, a professora Lúcia
Helena Galvão identifica características típicas de sociedades em desequilíbrio,
com a polaridade feminina em desvantagem. Nesses casos, há tendência ao expansionismo
exacerbado, sem clareza das finalidades que se deseja atingir e sem tempo para
consolidação das conquistas. Há mecanicidade nos processos, que se pautam na
repetição e provocam tédio, fruto da perda de contato com a motivação essencial
das ações. A quantidade torna-se mais importante que a qualidade. Outra
característica é o desrespeito à Natureza, representada como a Grande Mãe em
diversas tradições. Há predomínio da tecnocracia, a supervalorização da técnica
em detrimento da vida. O progresso material sobrepuja os valores humanos e
espirituais. Observa-se, também, o predomínio do prático sobre o estético, de
modo que tudo se torna funcional, mas não belo, e consequentemente sem vida.
Em antigas culturas, a mulher desempenhava o papel de
guardiã do fogo, um elemento sagrado, preservado no centro das cidades e de
cada lar. Lúcia Helena Galvão considera que essa prática não tinha um
significado meramente material – já que as civilizações não poderiam se
desenvolver longe do fogo – mas guardava um profundo simbolismo. O fogo era
associado à motivação essencial dos seres humanos, de forma que cabia às
mulheres guardarem a memória do sentido da ação, do espírito em torno do qual a
civilização se constrói. Por isso, eram consideradas as grandes educadoras do
povo. Se dermos continuidade a esse enfoque, concluiremos que a ausência do
feminino trará como reflexo uma generalizada perda de referenciais na sociedade,
exatamente como ocorre em nossos tempos.
Fritjof Capra analisa que, mais recentemente, a noção
de complementaridade dos opostos passou a ser adotada pela Física moderna,
particularmente para explicar os complexos fenômenos subatômicos, que desafiam
a rigidez dos conceitos racionais abstratos. Ele destaca que, conforme ensina a
sabedoria oriental, os opostos constituem na realidade uma unidade, com sua
interação dinâmica na base de todos os processos vivos. Em essência não haveria
superioridade de um polo sobre o outro, pois ambos são igualmente necessários.
O escritor Abdruschin observa que as correntes de força feminina e masculina “atuam, ou passiva ou ativamente, uma ao lado da outra e, contudo, almejam permanentemente uma pela outra, uma vez que ambas as espécies somente podem realizar algo completo na atuação conjunta.” Em termos sociais, a cooperação
harmônica das diferentes formas de atuação permitiria a realização humana em
sua plenitude.
Assim, uma verdadeira “revolução feminina” caminharia
na direção contrária à masculinização dos valores e costumes. Para uma
autêntica transformação, é preciso resgatar o lugar do feminino dentro de cada
ser humano e na sociedade, rumo ao equilíbrio perdido. Mais que seguir qualquer
estereótipo, isso significa recuperar um modo de atuação. Uma visão de mundo que
integre a delicadeza e o cuidado, o respeito a todas as formas de vida, o
cultivo da beleza e da harmonia, o espaço para o sonho e a reflexão: um modelo
de desenvolvimento propriamente humano, em que o progresso material seja guiado
por valores espirituais.