Maré baixa e alta. O mar recua e depois arrebata.
Poucas coisas são. A maior parte delas está.
A combinação de montanhas e vales, e os rios que desembocam nos mares
contam uma história de continuidade que não implica necessariamente em
constância.
E como sentir o ser e o estar, a transitoriedade e a inconstância?
O indígena Daniel Munduruku disse certa vez numa entrevista que na sua cultura
viver o presente é muito importante e que isso traz gratidão. A gratidão, por sua vez, gera o sentimento de pertencimento e este leva ao senso de comprometimento. Viver o presente, agradecer, pertencer e comprometer-se. Segundo ele, esse conjunto de ações está conectado ao cultivo da esperança.
Com a atenção difusa e com diversas preocupações – imaginárias ou reais –, viver o presente tornou-se desafiante. No entanto, somos dotados de sentidos que nos acordam para a realidade. Trazer a mente para a observação das sensações do corpo, do entorno, e para a observação de tudo o que os nossos sentidos nos possibilitam experienciar pode ser uma forma de unir as camadas ansiosas ou distraídas do nosso ser e enraizá-las no agora.
A expansão dos sentidos parece não ter finitude. Os observadores de aves escutam o mais remoto pio e sabem distinguir quem é o dono do canto. Os especialistas em perfumes e em paladar desenvolvem grande capacidade de perceber fragrâncias e notas invisibilizadas. Terapeutas que trabalham para aliviar dores sentem pelo tato quais músculos de um corpo precisam de atenção.
Desenvolver a sensibilidade e a capacidade de observação pode encher de graça o que parecia insosso. Talvez o tédio e a fuga do momento presente sejam, em parte, resultado do adormecimento dos sentidos. Assim, cultivar os sentidos pode ser uma forma de cultivar o apreço.
A vida recua e depois arrebata. Nada dura para sempre. Daí a beleza de permitir-
se usufruir o agora com toda a inteireza, qualquer que seja a maré.
“Ele levantou a cabeça, seguindo com os olhos as nuvens que passavam, escuras e cinzentas, sobre montanhas e vales. Foi como se procurasse nas nuvens um vislumbre de esperança.”
Roselis von Sass, A Verdade sobre os Incas