Temos o hábito de ver a vida em fragmentos. Os médicos, cada vez mais,
se especializam em partes cada vez menores do nosso corpo. Pensamos por partes,
e acreditamos que o pequeno panorama que conseguimos vislumbrar representa a
realidade última do todo.
Às vezes, até conseguimos, sim, imaginar o todo. A natureza nos faz
vislumbrar a vida integrada, elementos funcionando em interdependência. Como
exercício, podemos pensar que os frutos dependem das abelhas, que dependem da
vegetação rica em néctar e pólen, que depende das chuvas, que dependem das
florestas, que dependem dos pássaros, que dependem dos frutos e assim por
diante. Poderíamos formar rodas e mais rodas de associações recíprocas e
integradas.
Se fizéssemos uma teia com os elementos da natureza, tudo poderia ser
interligado em suas causas e efeitos. Até uma fruta passada tem sua função
integrada ao todo, dispersando sementes e enriquecendo o solo para tudo o que
virá.
De alguma forma, tudo o que é vivo está interligado, mantendo relações.
E por que seria diferente com o ser humano?
A mesma integração que permeia a natureza também nos engloba numa teia
de acontecimentos, de pensamentos, de ações que influenciam nossas vidas, ao mesmo
tempo em que nós mesmos influenciamos outras vidas. Podemos não gostar da
atuação de uma empresa e, mesmo sem notar, usar materiais que ela produz. Podemos
condenar a poluição dos rios, mas pode ser que algum prédio que frequentamos,
por motivos de trabalho ou lazer, jogue seus detritos em algum rio. Podemos
achar ruim a violência que ocorre do outro lado do mundo, mas será que não
estamos de alguma forma contribuindo para a sua existência? O quanto estamos implicados
num mundo que não queremos ter?
Ou seja, mesmo por pensamentos, nos integramos à teia e podemos reforçar
atitudes que condenamos. Nesse sentido, somos elos. Cada um é o elo de uma corrente.
Um elo complexo, capaz de pensar, agir, colaborar ou subtrair. Um elo que pode
ser forte ou frágil. Mesmo que nossa visãonunca possaabranger 360 graus, podemos imaginar a importância que cada elo
desempenha no todo. O modo de ser de cada elo pode fazer o todo mais ou menos
forte.
Seria então possível potencializar nossa atuação para o que é bom? Na
mesma medida em que podemos reforçar atitudes que condenamos, podemos apoiar
atitudes que admiramos. E quando cuidamos para que um elo permaneça íntegro,
também contribuímos para que não haja fissuras no todo. Buscar um olhar abrangente, que entende que estamos integrados num
contexto amplo, nos torna mais humanos, mais conscientes de nossa participação
como elos de algo maior.
Em uma época em que há tanto disponível nas prateleiras, pode parecer desnecessário criar algo com as mãos. Esse labor, no entanto, vai ao encontro de uma necessidade mais profunda: a reconexão com processos que se ligam à essência da própria vida. Mais do que o resultado material das atividades, o que importa é a transformação vivenciada no interior do próprio ser humano.
“Os pais terrenos oferecem proteção e ajuda para a época que o espírito necessita, a fim de conduzir de maneira plena e autorresponsável seu novo corpo terreno; depois, porém...”