Faz uns bons anos, ganhei de presente o livro ilustradoA grande fábrica de palavras e, desde então, esta história me acompanha. As autoras Agnès de Lestrade e Valeria Docampo contam sobre um país onde as pessoas falam muito pouco porque as palavras são muito caras. Crianças reviram latas de lixo em busca de palavras desprezadas e todos se apressam quando ocorre a liquidação de palavras. Philéas ama Cybelle, mas as palavras que ele quer dizer a ela custam uma fortuna. E agora?
É uma beleza podermos nos expressar usando quaisquer palavras do dicionário, todas as que quisermos. Como seria ter o uso limitado de palavras? Provavelmente escolheríamos cada uma delas com bastante zelo: a palavra certeira para determinada finalidade. Pode ser que a escolha cuidadosa elevasse a comunicação para um patamar próximo ao da arte. Não me refiro a estratégias publicitárias, mas ao uso cuidadoso e até afetuoso da linguagem. “Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco”, diz o educador Jorge Larrosa.
As palavras fazem coisas conosco… Pensar nisso me leva ao conceito da comunicação não violenta, que sugere uma forma autêntica e menos reativa de relacionar-se. Isso inclui, por exemplo, a compreensão da diferença entre sentimentos e opiniões, observações e juízo de valor e, claro, passa pela escolha da linguagem. Quando algo nos agride ou desagrada, recorremos por vezes a palavras reativas, combativas, talvez até agressivas. Uma opção diferente seria expor à outra pessoa o impacto que sentimos diante de determinada fala ou ação. Esta seria uma comunicação honesta que permitiria certo grau de vulnerabilidade.
Administramos cotidianamente o uso ilimitado de palavras, mas continuamos sendo responsáveis por todas aquelas que proferimos. Quando exercitamos o uso consciente da linguagem, a palavra se torna uma ação, e não uma reação. A palavra passa a ser maneira de doar, e não de revidar.
“Bitur esperou pacientemente até que todos se acalmassem, depois disse simplesmente que a ferida foi provocada por ‘palavras’. Palavras são perigosas, podendo machucar mais do que qualquer arma… Como ninguém retrucasse, provavelmente devido à surpresa dessa afirmação, explicando, ele acrescentou que a moça não podia esquecer as palavras que outrora a haviam machucado de tal modo, que a ferida não pôde sarar.”