A vida é uma teia de histórias que vamos tecendo. Nela construímos histórias de todo tipo, histórias de amor, desejo, posse, doação, relacionamentos. Construir essa teia é o que faz a vida cheia de graça. Mas tudo isso funciona bem quando quem constrói continua livre na sua própria construção e não fica emaranhado ou preso nos fios que teceu.
Há várias situações e escolhas que tiram uma parcela de liberdade sem que isso seja percebido. Formas de prisão como o apego desmedido a coisas ou pessoas, a idolatria por alguém, ou a subordinação e anulação pessoal por causa de algum bem ou prazer. Há quem perca o sono por causa da beleza, outro perde a cabeça por um carro ou apartamento e um terceiro faz qualquer coisa pelo amor do filho.
É bom depender em parte de elementos da teia da vida, se interessar por ela e amar. O que não é saudável é ser presidiário de uma dependência, presidiário de costumes, de bens ou de pessoas a ponto de não mais poder escolher e viver seus caminhos com a liberdade desejada.
Na prática, essa falta de liberdade que se cria e que também poderia ser chamada de apego ou até prisão
pode trazer consigo um segundo problema — a falta de ética e o desvirtuamento de diversos valores. Princípios de honestidade são negligenciados por causa de um bem terreno, padrões de justiça são ignorados por causa de um filho. E tudo isso, de modo geral, acontece porque atribuímos qualidades ao que nos prende de forma superlativa, exagerando sua real importância. Nessa linha de pensamento, poderíamos dizer que as coisas têm, para cada um, a importância que atribuímos a elas.
E é neste momento que entra a possibilidade de transitar com liberdade e soberania pela própria teia. Se o apego em demasia, a dependência extrema e a idolatria são negativos, que base usar para não acabar emaranhado nos tantos fios?
Mais do que se fixar em pessoas, em padrões de beleza, em prazeres, em dinheiro e em mercadorias, seria positiva a procura por princípios e valores de vida mais duráveis. Estes poderiam vir a ser uma base saudável para o nascimento de uma maior independência. Ainda que pareça paradoxal, a liberdade é aliada a cada um que vive segundo determinados valores. Na sociedade também é assim. Todo cidadão tem direito à liberdade desde que ele cumpra determinadas regras como, por exemplo, não matar outras pessoas.
A forma como enxergamos esses valores ou regras pessoais que pautam a vida pode mudar, assim como também experiências de vida podem fazer com que passemos a eleger outros valores em detrimento dos anteriores. Mas com a caminhada, alguns valores tornam-se imutáveis e são esses valores que podem fortalecer a soberania da aranha na teia.
Descobri esses dias que, além da aranha, quem sabe bem lidar com a teia da vida é o beija-flor. Um dia vi um ninho deles no meu jardim e fiquei intrigada com um dos componentes que formava aquele ninho. Entre musgos, fibras de xaxim e fibras macias como a paina havia uma espécie de fio que unia tudo, muito semelhante aos fios de uma teia de aranha. Fiquei pensando se nos moldes da aranha, o beija-flor também teria a habilidade de produzir aquele tipo de fio. Mais tarde, lendo um livro sobre pássaros, fiquei sabendo que algumas espécies realmente utilizam o material das teias de aranha na fabricação do próprio ninho.
A vida é isso. Podemos construir a nossa teia individual e também usar com respeito e doar para a grande teia da vida, mas sem nos deixar enredar a ponto de nos transformar em mosca capturada em vez de ser aranha. Melhor fazer parte da teia como soberano do que como vítima dependente e apegada às próprias amarras e prisões.
(Texto originalmente publicado no periódico Literatura do Graal, número 19)