Sibélia Zanon
Mais do que moradia, a palavra casa me lembra as asas de uma ave. Ao mesmo tempo que as asas promovem a liberdade do voo, elas protegem e abrigam os filhotes. A casa abrange uma riqueza de funções, desde as mais concretas, como a proteção de todo tipo de intempérie, até as mais sutis, como o acolhimento da singularidade e profundidade de seus moradores. Para o filósofo Gaston Bachelard “a casa é uma das maiores forças de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem”. Ela protege o sonhador, permitindo que ele se sinta em paz.
Antigamente, os sacerdotes ensinavam que uma alma só poderia ouvir a voz do seu espírito na quietude, no silêncio. As casas eram espaços propícios para essa escuta, espaços que nutriam e acalentavam as intuições e inspirações. E elas podiam se transformar ainda em espaços de festa. Entre os povos germanos, comemorava-se, na época do Natal, a festa das doze noites sagradas ou festa da chegada do amor.
“Os seres humanos desse tempo de outrora diziam que no transcorrer das doze noites sagradas desciam ‘fitas do céu’, cada ano de novo, unindo entre si todas as criaturas visíveis bem como as invisíveis…
Essa festividade era celebrada de modo todo especial. Durante todo o seu desenrolar, uma contínua e intensa chama tinha de permanecer acesa diuturnamente na lareira, e diariamente, ao anoitecer, acendia-se uma fogueira ao lado da entrada da casa, que deveria arder até o Sol nascer. Esse fogo tinha um duplo sentido. Primeiramente, deveria iluminar o caminho que conduzia para a casa e, paralelamente, seria o sinal visível do amor e calor que unia os moradores dessa casa; com o mesmo amor também seriam recebidos os hóspedes”, escreve Roselis von Sass, em O Livro do Juízo Final.
Atualmente, cada casa pode ainda manter, mesmo que simbolicamente, uma chama acesa, chama de conexão com as boas inspirações. E, assim, fazer crescer as asas que combinem com a singularidade de seus moradores, propiciando espaço de interiorização e nutrição, provendo-os de força para cada nova jornada.
“Já existiu algum inventor que descobrisse algo, sem antes estudar minuciosamente as leis da natureza, adaptando-se a elas cuidadosamente?
Nenhum processo técnico, por exemplo, pode desenvolver-se sem que o ser humano se oriente exatamente pelas leis inamovíveis da natureza.”
Roselis von Sass, Fios do destino determinam a vida humana.
Em nosso contexto, é raro haver silêncio interno e externo. Internamente, cada um está com a mente repleta de palavras: um fluxo incessante de pensamentos, que dificultam perceber o significado essencial. Ao mesmo tempo, não abrimos espaço para ouvir: mal escutamos o que vem de fora, especialmente se não confirmarmos nossas ideias, logo pensando em como defender a própria visão. Assim, a palavra frequentemente confunde e separa, em vez de servir de ponte para uma comunicação autêntica.
"Tentar subir às alturas sem fazer pontes firmes é como ver um filme avançando sempre as partes menos importantes no anseio de se chegar ao fim. Quando se vê, no descuido do afã, perdeu-se sem querer a própria história, com suas pequenas e entretecidas ligaduras.
Uma teia de costura falha, só no alinhavo, com pontos longos e distantes que, ao menor sacolejo, se rompe inutilmente."
Caroline Derschner