Sibélia Zanon
Ainda outro dia
uma colega disse que da janela do seu apartamento via constantemente a senhora
que morava no prédio em frente. Mesmo quando acordava muito cedo, podia ver a vizinha
na cozinha, preparando o café. Era uma companhia, silenciosa e distante, mas
ainda assim um manifesto de humanidade, uma prova de que as coisas continuavam
no mesmo lugar. De repente, as luzes se apagaram e a solidão abocanhou a
rotina. A vizinha se mudou? A janela voltava a ser aberta para o anonimato.
As janelas abrem
espaço para a troca em um mundo momentaneamente dividido em dois: o lado de
dentro e o lado de fora. E cada janela conta uma história diferente.
No castelo de
Versailles, França, o fotógrafo coreano Ahae expõe (de 25 de junho a 9 de
setembro) as imagens que captura da sua janela. A exposição “Janela para o Extraordinário”
parece narrar o passar do tempo por meio de paisagens, que se traduzem em um
tributo à indescritível beleza e majestade de uma natureza que não descansa.
Além dos poetas
das imagens, há os poetas das palavras que também não perdem a oportunidade de
olhar pela janela. No poema Tabacaria,
Fernando Pessoa faz uma reflexão densa sobre seu tempo e “seu eu” partindo do
que vê pela janela de seu quarto.
Já Cecília
Meireles vê pela janela uma cidade que parece ser feita de giz em A arte de ser feliz:
“Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que
vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os
olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas
no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de
Vega.
Às vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião
passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto
completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas
felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas
não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e
outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.”
Aprender a olhar é uma lição que exige boa vontade e persistência porque
seguiremos com ela até o fim da vida. É preciso aprender porque desaprendemos,
ao longo do tempo, a acolher as belezas das pequenas coisas, a interpretar o
que vemos com abrangência, a apreciar e, por fim, a entender a simplicidade
grandiosa da vida.
Mas aprender a
olhar não significa que existe um único jeito de enxergar, ainda que a realidade
permaneça única.
“Tomemos novamente duas pessoas como exemplo.
É-lhes mostrado na infância uma cor e explicado que se trata da cor azul. Cada
uma dessas pessoas considera sempre, por consequência, essa bem determinada
cor, vista por ela, como sendo azul. Mas com isso não fica provado que ambas vejamessa determinada cor da mesma maneira!Acontece o contrário.
Cada pessoa vê em verdade essa cor, por ela chamada azul, de modo diferente da outra pessoa. Também já aqui,
no corpo de matéria grosseira!
Se examinardes os olhos de matéria grosseira e considerardes que eles
são exatamente iguais em sua estrutura, então verificareis que essa estrutura
igual não é decisiva para a determinação da maneira de ver as cores. Para isso
influi também o cérebro e, além dele, como fator básico, a maneira pessoal do
próprio espírito humano!”
Cada pessoa,
construída a seu modo, por suas escolhas e experiências únicas vai moldando
também seu jeito de experimentar o mundo, apreendendo de um jeito único aquilo
que vê e vive. Talvez se tivéssemos isso sempre em mente teríamos mais
facilidade em conviver com o outro e seríamos mais generosos ou acolhedores em
relação às suas percepções, às vezes, tão diferentes das nossas.
Janelas são
símbolo de receptividade e da entrada de ar e de luz. A percepção que temos sobre
o que acontece do lado de fora da janela diz muito sobre quem somos nós, do
lado de dentro.
Fotos: Diana Schuler