O desenho de cada um

fevereiro 06, 2012

Daniela Schmitz Wortmeyer





“No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...”
Mario Quintana




Em um vislumbre poético, fiquei pensando na vida como um desenho traçado por cada ser.

Parei para analisar o movimento que fiz durante o dia: as tarefas no trabalho, os sentimentos alimentados, as palavras trocadas com os colegas, o modo como voltei para casa e as atividades que se seguiram... Como reagi aos obstáculos, como certas pedras foram ou não removidas do caminho... E passei a imaginar que todos os meus gestos, todas as minhas atitudes, pensamentos, sentimentos, formavam traços invisíveis. Era como se enxergasse um grande papel em branco, sobre o qual eu percorria um caminho, formando uma dança ora harmoniosa, ora sombria, deixando rastros atrás de mim.

Ao fazer o balanço do dia, eu via um desenho. Um desenho que tinha cores luminosas e alegres, formas criativas e soluções originais, mas também ângulos obtusos e tons desagradáveis. De repente, senti que eu gostaria de ter uma borracha para apagar algumas partes daquela obra, para modificá-la e torná-la inteiramente bela e harmoniosa.

Lembrei-me então da frase do filósofo: “Somos, para nós mesmos, nossa própria obra de arte.” E refleti sobre como os traços que esbocei durante o dia podiam formar o desenho do meu ser... Visualizei as rugas que as experiências acumuladas desenham no rosto de cada pessoa. Rugas que registram os sorrisos, as dores, os ressentimentos, as conquistas, enfim, os contornos de uma vida. Ao olhar com atenção o desenho de um rosto, pressentimos a trajetória de um ser.

“Na verdade, as marcas do corpo revelam marcas da alma...” – pensei. Comecei a ficar preocupada com a paisagem que estou desenhando em minha alma. Mais uma vez senti a necessidade de uma borracha ou de um removedor de tinta, para limpar a mim mesma dos borrões e traços tortos formados durante o dia. Seria tão bom desenhar a própria alma com a leveza do giz pastel, contornando com elegância as dificuldades, esmerando-se em não sujar a folha por excesso ou distração, escolhendo com cuidado cada cor usada, em busca do mais belo resultado...

Surgiu a recordação da palestra de uma sensível e dedicada professora, que assisti há muitos anos, na qual ela falava sobre as “obras inacabadas” que deixamos pela vida. Os sonhos abandonados, os projetos esquecidos na gaveta, os potenciais adormecidos... Na época, achei muito forte essa expressão e fiquei convencida de que devia dar continuidade a algumas obras negligenciadas em minha existência.

Mas, agora, percebi que eu mesma sou uma obra inacabada. Senti o grande poder que possuo ao manejar os lápis, pincéis, cinzéis constituídos por minhas ações – e também a imensa responsabilidade. Pois ao fazer meus despretensiosos e às vezes desatentos traços ao longo do dia, vou construindo a obra do meu ser, contemplada com encanto ou desalento por quem com ela trava contato.

Nesse instante, tenho que decidir: “afinal, qual é o desenho que quero traçar em minha alma? Que obra eu gostaria de contemplar no espelho da vida?” Porque nesse exato momento, como um delicado milagre, estou fazendo mais um traço, movimentando a paisagem do meu ser...




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