Uma estrela,
um caminho, uma esperança, um recém-nascido. Na quietude de um estábulo, uma
noite sagrada. Dois mil anos se passaram, muito na Terra se transformou – e esse
quadro continua vivo em nossos corações.
Porém o
burburinho do consumo ameaça abafar esses longínquos pensamentos. Muitas
pessoas vivenciam intenso estresse na época de final de ano, sob a pressão de
resolver inúmeras pendências no curto prazo até o Natal. Há um apelo
onipresente para a “festa de Natal ideal” em todos os lares: não por acaso
exatamente nos moldes dos comerciais de televisão. Papais noéis exageradamente
gordos e vermelhos lembram a todos da obrigação de comprar vultosos presentes
para toda a família, de consumir todos os produtos dos patrocinadores para uma
ceia fantástica, de ornar a casa com todas as luzes e enfeites possíveis, de providenciar
roupas novas para participar da alardeada celebração... Mas, após os excessos
de comida e bebida, as manifestações obrigatórias de fraternidade e a distribuição
automática de presentes, frequentemente fica um vazio, às vezes uma ponta de
tristeza ou nostalgia, deixando no ar uma pergunta: afinal, qual é o sentido
dessa comemoração?
“Como é
estranho, pois, que cada ser humano, sempre que queira que a festa de Natal
atue de maneira excepcionalmente certa sobre ele, procure se transportar para a
infância!”, observa o escritor Abdruschin. “Isto é, pois, um sinal
suficientemente nítido de que ele não
é capaz de vivenciar, como adulto, a
festa de Natal com a intuição! É uma
prova de que perdeu alguma coisa que possuía quando criança!”
Recordo-me do
quanto era esperado o Natal na minha infância. Ao chegar o mês de dezembro, era
nítido que havia algo diferente no ar. Havia, sim, a expectativa dos presentes,
mas a alegria da época ia muito além. Um momento marcante era a noite de Natal
na casa dos avós maternos. Lá se enfeitava um pinheiro com bolas de vidro,
velas ou imagens de anjos e em sua base ficava, como que protegido pela grande
árvore, um presépio. Na réplica de um estábulo rústico eram acomodadas estatuetas
de Maria e José, com um anjo ao fundo e um berço vazio entre eles. Sobre o
estábulo havia uma estrela com cauda e nos arredores diversas figuras: pastores,
reis magos, animais. Podíamos transitar na sala onde ficava o “pinheirinho” nos
dias anteriores à data, vendo aquele pequeno berço à espera de um ocupante, mas
na véspera de Natal a entrada era proibida. Apenas depois da ceia, as crianças
faziam fila no corredor em penumbra diante da sala fechada, seguidas pelos
adultos. Então finalmente abria-se a porta para o ápice da festa: entrávamos
solenemente no recinto escuro, iluminado somente pela luz detrás da
estrela-guia, uma pequena lâmpada dentro do estábulo e as singelas velas da
árvore. Todos se postavam em silêncio em volta daquela cena: era comovente
olhar a esperada figura do Menino Jesus na manjedoura. Faziam-se orações e
cantava-se Noite Feliz. Ali, para além das palavras proferidas, eu percebia uma
atitude de agradecimento solene, algo temeroso, pelo envio da Luz à Terra com o
nascimento daquela criança.
Naquele tempo,
nas casas e igrejas de diversas cidades do interior a grande atração eram os
presépios. Eles não tinham tantas cores e brilhos como as peças decorativas
atuais; também não vinham com tudo pronto... Ao montá-los, criava-se uma
ambientação para as personagens – figuras simples feitas geralmente de cerâmica
– preparando-se um cenário com estábulo, manjedoura, caminhos e outros detalhes
da paisagem. Isso era feito com engenhosidade e elementos da natureza. Alguns
colhiam musgo no alto de cachoeiras para confeccionar uma espécie de pradaria,
como ocorria na casa dos meus avós paternos – eu sempre ficava admirada com a
façanha e com o bonito resultado. Usava-se também areia, serragem, bromélias,
pedras, sementes, até riozinhos com pontes eram montados, revelando o zelo e a
dedicação dos responsáveis. As crianças cresciam vendo o cuidado e a reverência
nessa preparação, procurando euforicamente ajudar no que podiam.
Em alguns
lares perpetuava-se o ritual em torno da Coroa de Advento, uma tradição trazida
pelos imigrantes alemães. A Coroa consiste em um arranjo de mesa composto de
quatro velas, posicionadas comumente como se nas pontas de uma cruz isósceles, circundadas
por adornos variados. No primeiro domingo do mês de dezembro, acende-se uma das
velas durante um momento solene de reflexão, que pode envolver a leitura de um
texto ou uma oração. No segundo domingo, são acesas duas velas no mesmo
contexto, e assim sucessivamente até o Natal, quando então a cruz é acesa
completamente. Trata-se de um ritual de preparação para o Natal, que convida os
participantes a se conectarem com o sentido espiritual da data.
Em O Livro do Juízo Final, Roselis von Sass aborda os costumes natalinos de diversos povos
antigos, revelando que já muito antes de Cristo esse período do ano era
festejado. As festividades de povos tão distantes como sumerianos e incas
relacionavam-se ao Sol, cuja luz era interpretada como um reflexo do Amor do
Criador. Os sumerianos costumavam presentear-se com rosas nesse período, que também
eram plantadas em torno de seus Templos do Sol. Os povos germanos celebravam a
Festa das Doze Noites Sagradas, acreditando que nessa época dava-se a renovação
dos fios de Amor que uniam todas as criaturas. O fogo ardia continuamente
nesses dias festivos, em lareiras e fogueiras, simbolizando o calor do Amor e
iluminando os caminhos. Em todas essas celebrações, “A alegria, a afirmação
positiva da vida e o saber do Divino Amor Universal reinando sobre todos os
mundos, elevavam-se qual orações de agradecimento para a Luz.”, relata a
escritora.
Muito se
perdeu em forma e conteúdo dessas tradições e, nos dias atuais, a celebração do
Natal frequentemente é esvaziada de qualquer significado espiritual. Embora
haja uma profusão de enfeites e luzes artificiais por todos os lugares, parece faltar
algo essencial, conduzindo até as crianças a um olhar cada vez mais
materialista. “Nas árvores de Natal excessivamente enfeitadas de hoje, já nada
mais indica que numa noite se acendera uma Luz na Terra pelo nascimento de
Jesus.”, opina Roselis von Sass.
Quem sabe a
singeleza dos antigos natais guarde um ensinamento a todos nós. Pois a magia e
a alegria do Natal não dependem dos objetos que se pode adquirir, tampouco da
sofisticação das iguarias em uma mesa, da quantidade de pessoas reunidas ou de
qualquer outro aspecto exterior.
A imagem do
nascimento de um Messias marcado pela passagem de um cometa, a estrela-guia,
porta uma mensagem que fala ao eu mais profundo do ser humano, chamando à
introspecção. A ideia de um Amor Universal que tudo abraça e conduz ao
desenvolvimento, fornecendo luz e calor como uma grande estrela na escuridão, aquece
os corações e inspira a procura de conexão com o sagrado.
Podemos ser
mais criativos do que sugerem as convenções sociais e construir um sentido
pessoal, verdadeiro, para o Natal. Como uma pequena vela que se acende, cada um
ao seu modo pode tornar essa época especial, abrindo-se para celebrar a Vida e receber
as irradiações do Amor. Então haverá novamente noites sagradas: repletas de
presentes preciosos como verdade, esperança, amor e confiança, enlaçados pelo
sincero agradecimento ao Criador.
Em uma época em que há tanto disponível nas prateleiras, pode parecer desnecessário criar algo com as mãos. Esse labor, no entanto, vai ao encontro de uma necessidade mais profunda: a reconexão com processos que se ligam à essência da própria vida. Mais do que o resultado material das atividades, o que importa é a transformação vivenciada no interior do próprio ser humano.
“Os pais terrenos oferecem proteção e ajuda para a época que o espírito necessita, a fim de conduzir de maneira plena e autorresponsável seu novo corpo terreno; depois, porém...”