Há locais onde não existem
mais abelhas. Em algumas cidades da China, pessoas são contratadas para “fazer
a polinização” com o auxílio de um tipo de esponja grudada a uma haste, algo
parecido com um cotonete grande. Em outras regiões, em que a monocultura
impera, é preciso “contratar” abelhas. Como elas não conseguiriam sobreviver ao
longo do ano na região pela falta de alimento, são levadas em caixas para a
plantação durante a florada específica e retiradas imediatamente de lá quando
as flores fenecem.
No livro A Vida das Abelhas,o escritor belga Maurice Maeterlinck
alertou em 1901 que, se as abelhas morressem, a humanidade morreria quatro anos
depois. Cerca de um terço das frutas e legumes que fazem parte da alimentação
humana dependem da polinização para serem produzidos. No documentário suíço Mais
que Mel,o dono de um apiário conta que, se seu avô estivesse vivo, ele
iria embora de sua propriedade ao ver como as abelhas são criadas
atualmente. “Ele pensaria: ‘Você perdeu a alma’.”
O avô do criador de abelhas teria razão. As abelhas são uma amostra e
também um reflexo do que está ocorrendo em muitas áreas da produção de bens e
de alimentos. É como se grande parte daquilo que está à venda já viesse
estampada com um selo. O selo da insensibilidade.
Conta a mitologia grega que Midas, rei da Frígia, após cuidar do pai de
criação de Baco com grande hospitalidade por vários dias, pôde escolher uma
recompensa. Midas pediu que tudo em que tocasse fosse transformado em ouro. A
euforia inicial pelos novos poderes e consequente riqueza logo cedeu lugar ao
desespero. Todos os quitutes que faziam parte de seu belo banquete não podiam
mais ser saboreados. O pão que levou à boca logo ganhou a consistência do ouro
e até mesmo sua filha ficou reluzente após um abraço. Num momento de desespero,
durante uma prece, ele conseguiu que Baco revertesse o encanto e voltou a ter
uma vida normal.
Diferentemente de Midas, Tistu, protagonista do livro Tistu, O Menino
do Dedo Verde,acompanhou a infância de muitos, fazendo nascer plantas e
flores em tudo o que tocava. Em seus esforços, demoveu guerreiros ao tocar em
canhões e fazer com que disparassem flores em lugar de bombas.
As duas histórias fazem pensar no papel que cada ser humano quer
protagonizar. Por um lado, atribui-se a culpa àqueles que estão por trás de
cadeias desumanas de produção. Basta usar como exemplo a criação em massa de
animais para o abate. Do outro lado dessa cadeia está, porém, o consumidor.
Enquanto o consumidor não buscar saber de onde vêm os alimentos que compra e
como são criados ou produzidos, priorizando adquirir aqueles que resultam de
uma cadeia de produção ética e saudável, nada vai mudar.
Independentemente dos aspectos filosóficos, existe ainda um muito
prático, que é a saúde. A relação dos alimentos com a saúde é evidente, e um
corpo saudável é um instrumento precioso para se viver bem.
É claro que a equação vai demandar tempo até resultar em equilíbrio
entre os desejos do consumidor consciente e os produtos à venda, mas, quanto
mais consumidores conscientes surgirem, mais produtores éticos conseguirão se
erguer no mercado.
A diminuição da quantidade de abelhas, os corpos doentes, a natureza e
sua força espantosa... Numa sociedade como a nossa, quantos meninos do dedo verde
precisaríamos para combater a ganância de Midas? Mais do que pedir ajuda a
Tistu, será que podemos buscar inspiração em sua figura e fazer uma nova
aliança com a natureza? Será que podemos construir um novo tempo em que Gaia,
protetora e soberana, seja reverenciada?
“Muitas vezes as pessoas ficam admiradas ante os atos instintivos dos animais. Atribuem aos animais um sentido especial, que aos seres humanos falta por completo ou deixaram que se atrofiasse."