Daniela Schmitz Wortmeyer
Ainda me lembro com nitidez daquela cena: ela caminhava apressada com uma folha nas mãos, lendo o conteúdo, enquanto lágrimas se avolumavam em seu rosto. Entrou quase em fuga no vestiário. Eu, que passava pelo corredor nesse exato momento, tive o impulso de segui-la, sentindo que deveria ajudar.
Trabalhávamos em setores distintos, embora próximos, e nossos contatos até então se resumiam a poucas conversas triviais. E eis que, de súbito, me vejo diante dela, agora sentada em um sofá entre os armários do vestiário, com um diagnóstico em mãos: “câncer”.
O turbilhão em que ela se viu a partir desse dia acabou envolvendo várias pessoas. Entre torrentes de lágrimas, apreensões compartilhadas, histórias inspiradoras contadas, palavras de apoio e carinho, abraços e orações, foi se formando uma comunidade em torno dela, cada um se esforçando para auxiliar como podia. Os laços foram se fortalecendo, pessoas antes dispersas passaram a se integrar e colaborar, sensibilizadas pelo que ocorria.
A partir daquele forte abalo, em que a terra pareceu tremer e escapar de baixo dos pés, muita coisa pôde vir à luz. Nossas conversas cotidianas se tornaram mais profundas e significativas, tocando em temas como a percepção da fragilidade da própria vida, os medos ligados ao que aconteceria consigo e com a família, reflexões sobre o que significou sua jornada até ali, perguntas sobre o real significado da existência, a busca por compreender os porquês, nos campos físico, emocional, espiritual... Em certa medida, cada um covivenciava o intenso processo que se desenrolava.
“Não sou mais a mesma pessoa”, ela me disse algum tempo depois. Com as múltiplas vivências nesse processo, seu olhar sobre a vida se transformou: prioridades e hábitos de vida mudaram, a forma de se relacionar com os outros e consigo mesma, também. Cada novo dia passou a ser vivido com gratidão e cuidado, com atenção aos pensamentos e sentimentos cultivados, enxergando as pessoas além das aparências e procurando auxiliar onde fosse possível e necessário.
De minha parte, sinto que fui ricamente presenteada pela oportunidade de coparticipar da trajetória daquela que se tornou uma grande amiga. Passados quase dois anos, vejo-a hoje como uma alma humana em pleno florescimento: um verdadeiro exemplo de força, superação e beleza, com o qual procuro aprender a cada encontro.
“O sofrimento e também a alegria batem continuamente à porta, estimulando, sacudindo para um despertar espiritual. Durante segundos fica então o ser humano muitas vezes libertado das futilidades da vida cotidiana e sente, tanto na felicidade como na dor, ligação com o espírito que perflui tudo o que é vivo.”
Abdruschin, Na Luz da Verdade