No meio do exercício, a professora pediu que todos parassem. Ela notou que muitos executavam movimentos contidos, visando a apenas não deixar a bolinha cair. Com isso, não usavam o espaço, não ousavam novas manobras, não se desafiavam. Mas, precisaria haver tanto medo de deixar a bolinha cair? Não. O interessante seria aceitar que as quedas fazem parte da vida e que é sempre possível reinventar-se diante delas. A professora pegou a bolinha e fez ela mesma o exercício. Deixou a bolinha cair no meio da manobra e não se intimidou. Usou o momento da queda a seu favor, integrando-o ao movimento, e fez arte com o inusitado.
Não deixar que o medo de um fracasso futuro ou a sombra de um antigo apaguem a valentia; o arrojo ou a ousadia é uma arte. Lenine canta: “Tenho medo de gente e de solidão / Tenho medo da vida e medo de morrer / Tenho medo de ficar, medo de escapulir / Medo, que dá medo do medo que dá”. E conclui: “O medo é a medida da indecisão”.
O receio paralisa, tolhe, oprime, amarra e, quando alimentado, recebe reforços de toda parte. Cresce desmedido. Muitas vezes, o medo é mais potente na antecipação de uma tragédia do que ao vivenciar a própria. Pode-se sofrer muito mais por conjeturas formuladas do que pela realidade.
Isso porque, quando o desafio efetivamente bate à porta, diversos fatores podem colaborar para a sua resolução. Assim como um corponão esmorece na hora do perigoao ser estimulado pela adrenalina, também o interior de uma pessoa pode ampliar-se em busca de uma solução e conectar-se com a ajuda, ao ser impactado por uma grande aflição. Já pensou que os desafios que a vida propõe para cada um, como resultado de sua própria semeadura,têm tamanho compatível com a sua capacidade de superação?
Se o medo tende a paralisar, a coragem faz o contrário. Ela impele ao movimento: enxergar fatos, buscar alternativas, experimentar manobras… A valentia é o lastro que permite ousar movimentar-se dentro de uma realidade limitada ou imperfeita. Permite trazer à superfície o que vive reprimido no interior; permite criar, reinventar-se e sair do torpor. “Cada vez que fazemos o esperado, reforçamos um padrão humano automático de torpor. Existe em nós uma tendência de querer agradar a nós, aos outros e à moral de nossa cultura. Com isso vamos gradativamente nos perdendo de nós mesmos”, escreve o rabino Nilton Bonder.
Se cada um ousar lançar a bolinha a seu modo, aprender com as quedas sem se intimidar, e não tiver como primeira necessidade ser popular perante si mesmo ou perante os outros, talvez a vida fique mais instigante, mais autêntica, menos burocrática, mais artística e verdadeira.
“Muitas vezes as pessoas ficam admiradas ante os atos instintivos dos animais. Atribuem aos animais um sentido especial, que aos seres humanos falta por completo ou deixaram que se atrofiasse."
Em uma época em que há tanto disponível nas prateleiras, pode parecer desnecessário criar algo com as mãos. Esse labor, no entanto, vai ao encontro de uma necessidade mais profunda: a reconexão com processos que se ligam à essência da própria vida. Mais do que o resultado material das atividades, o que importa é a transformação vivenciada no interior do próprio ser humano.