Sibélia Zanon
Quantas vezes ao chegar em casa, cansada do trabalho ou animada com alguma perspectiva, insegura com o mundo ou cheia de esperança, escuto os passos do Guilherme vindo em minha direção… o riso brincante se esticando até o olhar sem disfarce. Basta o barulho da porta do elevador se abrindo, e eu já posso quase vê-lo, porque a voz, a atmosfera e os movimentos todos chegam antes mesmo dele. É como se ele estivesse atento ali pela sua sala e pudesse pressentir minha chegada.
Não tivemos muito contato, mas os poucos momentos juntos foram marcantes. Sem a intenção, ele me fez ter a sensação de pertencer a um conjunto, uma sensação quase de proteção e de unidade. Algo solidário, simpático e até divertido.
Dizem, porém, que o que é bom não é para sempre. E foi num desses dias que ouvi a outra voz. Voz que se adiantou como pôde, quase não chegando a tempo: “Não, Guilherme!”. Pude ainda ouvir o Guilherme ficando na pontinha dos pés, as mãos pequenas alcançando as chaves, mas a voz mais forte o intimidou, e naquele dia… não nos encontramos. Aquilo aconteceu outras vezes. Senti um misto de completa compreensão e uma pitada de decepção.
Sim, se fosse meu filho, certamente eu faria o mesmo. Também considero isso educação. Afinal, ir olhar o morador do apartamento vizinho, a cada vez que ele entra ou sai de casa, parece invasão de privacidade ou mesmo uma curiosidade desmedida. Mas, será? Fiquei me questionando até que ponto educamos e até que ponto moldamos uma pessoa a ser comedida e pouco espontânea. Até que ponto os comportamentos são socialmente corretos ou não e onde ficam todas essas regras armazenadas…
Assumimos todas elas como verdade absoluta: quando aparece alguém em tal situação, julgamos que temos de fazer isso. Se alguém fala aquilo, fingimos que não discordamos para sermos gentis. E tudo isso vai criando uma gigantesca massa anônima de presidiários dentro de si mesmos.
É claro que a mãe do Guilherme não é a grande vilã do mundo. Mas os dois me fizeram pensar… A minha porta se abre, a porta dele também. Nos encontramos frente a frente no minúsculo hall do elevador, que serve nossos apartamentos. Ele sorri escancarado e maroto.
É bom descobrir vez ou outra, despretensiosamente, que o anonimato da grande cidade ainda guarda Guilhermes. Guilhermes crianças, moços, adultos ou velhos nos mais surpreendentes becos do dia. Ainda que poucos, eles deixam suas marcas…
Sabe, Guilherme, acho que amanhã vou me espelhar em você e sorrir um pouco mais para a pessoa que eu encontrar no elevador. E não vou sentir medo ou pressa ou indiferença e serei mais curiosa. Vou ter curiosidade suficiente para querer saber quem é aquela pessoa que mora bem ao meu lado e que cara ela tem…
Ah, Guilherme, como eu gostaria de conhecer mais pessoas como você! Mal imagina a sua mãe… Mal sabe ela que os seus passos apressados e seu sorriso ultrapassam as paredes do apartamento… e que a sua espiadinha diária faria o final do meu dia mais engraçado e acolhedor.