Sibélia Zanon
Outro dia escutei no rádio comentários a respeito de uma pesquisa sobre o ato de presentear. A pesquisa constatava que dar presentes gera alegria mais duradoura do que comprar coisas para si próprio. Achei interessante. Presentear abrange certos rituais: pensar sobre o outro, sobre suas características e seus gostos, e mapear as coisas que podem lhe ser úteis e trazer alegria.
As festas de final de ano parecem vir carregadas de uma certa pressão, tirando por vezes o valor dos rituais ligados ao presentear. No entanto, a vontade de dar algo, alegrando os outros justamente nesta época do ano parece ter uma raiz significativa. Segundo a escritora Roselis von Sass, já antes do nascimento de Jesus, diversos povos como sumerianos, incas e romanos realizavam suas festividades.
“Também os povos germanos e os que viviam outrora na atual Escandinávia celebravam anualmente, aproximadamente na época natalina de hoje, ‘a festa das doze noites sagradas’, ou também ‘a festa da chegada do amor’.
Os seres humanos desse tempo de outrora diziam que no transcorrer das doze noites sagradas desciam ‘fitas do céu’, cada ano de novo, unindo entre si todas as criaturas visíveis bem como as invisíveis...”
A alegria por poder conviver com as pessoas que se ama, a gratidão pelo fechamento de mais um ciclo e por outro que se abre ou mesmo as fitas que descem do céu unindo a todos refletem a riqueza inspiradora que o mês de dezembro traz consigo.
Na esfera do presentear, o que cada um tem para dar? Além dos mais diversos bens materiais concretos, há os bens mais abstratos, como perdão, compreensão, respeito, bondade, generosidade, amor, harmonia... Há quem diga que o mais importante na esfera do dar não está nos bens materiais, até porque não seria justo que uma pessoa de poucas posses não pudesse ofertar algo de si.
“A mais importante esfera do dar, no entanto, não é a das coisas materiais, ela está no domínio especificamente humano. O que uma pessoa dá a outra? Dá de si mesma, o bem mais precioso que tem, dá sua vida. Isso não significa necessariamente que sacrifique sua vida pelo outro, mas que lhe dá aquilo que está vivo nele; dá sua alegria, seu interesse, sua compreensão, seu conhecimento, seu humor, sua tristeza – todas as expressões e manifestações do que é vivo nele. Nessa dação da sua vida, enriquece o outro elevando seu próprio sentimento de vitalidade. Não dá para receber: a dação é, em si, uma suprema alegria.”
Erich Fromm, A arte de amar
A possibilidade cotidiana de dar carrega consigo a ideia de presença e prontidão: como ser bom para a vida e para o outro no momento presente? Como desafiar-se a presentear com a própria maneira de ser, ou ainda, transformar-se no presente para o outro? Talvez essa seja uma forma profunda de presentear e, por vezes difícil, porque implica em deixar o egoísmo de lado, em autodomínio para não machucar o outro, em lapidação e polimento constantes da própria personalidade.
Implica ainda reconhecer-se de alguma forma preenchido ou abastecido do que possa ser essencial: valores, cultivo de bons pensamentos, boa administração de expectativas e insatisfações... Afinal, uma pessoa insatisfeita pode não ter muito a dar.
Assim, o presentear passa a ser também um reflexo do sentir-se grato, sentir-se rico pela vida. Quem se sente enriquecido consegue doar desinteressadamente porque a sua riqueza transborda. E torna-se possível também aliviar a pressão das coisas que não importam, como a pseudonecessidade de dar presentes caros ou de atentar para datas que eventualmente foram eleitas pelo comércio e nem tanto pelo coração.
"Agradecer é compartilhar ou expressar alegria pelo bem já recebido. É doar sem o mínimo desejo de receber em troca.”
Joel S. Goldsmith, Praticando a Presença
“Com vossa maneira de ser, deveis dar ao vosso próximo! Não, por acaso, com dinheiro ou bens. Pois assim os pobres ficariam privados da possibilidade de dar. E nesse modo de ser, nesse ‘dar-se’ no convívio com o próximo, na consideração, no respeito que vós lhe ofereceis espontaneamente, está o ‘amar’ de que nos fala Jesus, está também o auxílio que prestais ao vosso próximo, porque nisso ele se torna capaz de modificar-se por si mesmo ou prosseguir em direção ao alto, porque nisso ele pode fortalecer-se.”